Licitações e contratos

A fragilidade na argumentação de “identificação” das propostas técnicas

Flávia Lima Costa
11/3/2025

A legislação é clara quanto à necessidade de que os editais das concorrências voltadas à contratação dos serviços de comunicação (seja ela institucional, digital, seja publicidade ou marketing promocional) prevejam as mais variadas balizas para tentar evitar a identificação das licitantes antes do julgamento de suas propostas apócrifas.

 

Essa iniciativa tem seu embasamento jurídico na Lei nº 12.232/10, que mesmo tendo sido criada, especificamente, para dispor sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda, também passou a abranger, de modo expresso, os serviços de comunicação institucional e de comunicação digital, nos termos do artigo 20-A, acrescido pela Lei nº 14.356/22, a saber:

 

Art. 20-A. A contratação de serviços de comunicação institucional, que compreendem os serviços de relação com a imprensa e de relações públicas, deverá observar o disposto no art. 5º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022)
§ 1º Aplica-se o disposto no caput deste artigo à contratação dos serviços direcionados ao planejamento, criação, programação e manutenção de páginas eletrônicas da administração pública, ao monitoramento e gestão de suas redes sociais e à otimização de páginas e canais digitais para mecanismos de buscas e produção de mensagens, infográficos, painéis interativos e conteúdo institucional. (Incluído pela Lei nº 14.356, de 2022) (g.n.)

Contudo, as disposições da referida Lei não se limitam a isso, mas também são aplicáveis ao marketing promocional, eis que o Acórdão 6.227/2016-TCU-2ª Câmara do TCU, em síntese, fez a recomendação de que, para as licitações de comunicação, fossem adotados os critérios trazidos pela Lei nº 12.232/10 como boas práticas.

 

Desse modo, considerando a comunicação como “gênero” e partindo do princípio de aplicabilidade da Lei em comento para todas as suas “espécies”, faz-se necessário observar o disposto em seu artigo 6º, incisos IV e IX:

 

Art. 6o A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art.40 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2o, e às seguintes: 
[...]
IV - o plano de comunicação publicitária previsto no inciso III deste artigo será apresentado em 2 (duas)vias, uma sem a identificação de sua autoria e outra com a identificação
[...]
IX - o formato para apresentação pelos proponentes do plano de comunicação publicitária será padronizado quanto a seu tamanho, a fontes tipográficas, a espaçamento de parágrafos, a quantidades e formas dos exemplos de peças e a outros aspectos pertinentes, observada a exceção prevista no inciso XI deste artigo;

 

Assim, é possível identificar que o legislador entendeu que a padronização das vias não identificadas dos planos de comunicação seria a melhor forma de colocar todas as licitantes em “pé de igualdade”, pois, com o julgamento de vias apócrifas seria possível escolher a melhor proposta não pela força do nome da empresa que a apresentou, mas pela qualidade do trabalho executado, bem como em atenção à criatividade empregada na resolução do problema de comunicação, respeitando-se a verba disponibilizada para o exercício.

De forma a colaborar com a análise de planos de comunicação cuja autoria não se conhece, nessas concorrências quem faz o julgamento das propostas técnicas não é a Comissão de Contratação, mas uma Subcomissão Técnica específica para tanto, que possui formação ou experiência suficiente para fazer considerações relevantes sobre os seus conteúdos:

 

Art. 10.  As licitações previstas nesta Lei serão processadas e julgadas por comissão permanente ou especial, com exceção da análise e julgamento das propostas técnicas. 
§ 1º. As propostas técnicas serão analisadas e julgadas por subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, 3 (três) membros que sejam formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo menos,1/3 (um terço) deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação.(g.n.)

 

O cuidado na manutenção do anonimato dessas propostas é tanto que os membros da Subcomissão Técnica não podem participar da sessão de abertura da licitação(artigo 11, §1º da Lei nº 12.232/10), em que são recebidos os envelopes das empresas licitantes, a fim de evitar que tenham qualquer indício sobre a autoria do conteúdo.

 

Nesse mesmo sentido, é importante mencionar que a Subcomissão Técnica recebe, primeiramente, as vias não identificadas das propostas das licitantes, julga, justifica as pontuações que foram conferidas e elabora planilha com as referidas notas (artigo 11, IV).

 

Posteriormente, recebe os cadernos que demonstram a capacidade de cada empresa na prestação dos serviços que o órgão/entidade almeja contratar.

Frequentemente, esses cadernos são compostos de informações sobre a estrutura das licitantes, os profissionais que serão colocados à disposição para execução do contrato, os cases de sucesso e demais dados que irão contribuir para a comprovação da expertise da empresa.

 

Em razão da natureza dessas informações, é evidente que não há como se tratar, também, de um caderno não identificado. Desse modo, a separação do julgamento é mais uma forma de se evitar uma identificação da licitante fora do momento adequado para isso.

 

Assim, a Subcomissão adota o mesmo procedimento: julga, justifica as pontuações que foram conferidas e elabora planilha com as referidas notas. Após, entrega esses dados à Comissão de Licitação, que irá designar sessão subsequente, a fim deque ocorra o chamado “cotejamento” das propostas. Ou seja: são abertos os envelopes contendo as vias identificadas das propostas técnicas, que serão comparados às vias não identificadas, a fim de se verificar a autoria de cada uma delas.

 

Feito isso, é possível verificar a classificação das licitantes, de acordo com as pontuações conferidas pela Subcomissão Técnica.

 

O procedimento pensado em muitos detalhes para evitar que empresas sejam identificadas antes do momento adequado, portanto, promete garantir que as licitantes estejam competindo em condições de igualdade e assegurar que a Administração possa contratar a verdadeira proposta mais vantajosa, livre de qualquer influência ou ingerência indesejada, sendo a qualidade da proposta técnica – nesse primeiro momento – o único fator influenciador na nota auferida por cada empresa.

 

No entanto, embora o mecanismo explicado tenha um formato muito interessante, parece que carece de detalhamento a respeito do que seria, de fato, “identificação”.

 

Isso porque as licitantes que, naturalmente, estão imbuídas de competitividade, buscam desculpas das mais diversas para caracterizar a suposta identificação de suas concorrentes, prejudicando o bom andamento do certame.

 

Ao acompanhar licitações por anos, é possível notar que tanto os editais quanto as respostas aos questionamentos feitos pelas licitantes possuem um entendimento muito frágil sobre o que seria essa identificação, criando balizas desnecessárias, além das previstas em lei, que impedem que as empresas exerçam a sua criatividade de forma plena.

 

Um exemplo claro é o impedimento de utilização de recursos tipográficos como negrito, itálico, sublinhado ou letras em caixa alta. Ou, ainda, há licitações que impedem a criação de tabelas, utilização de cores, ou outros detalhes simplórios incapazes de identificar alguém.

Não é razoável dizer que se a licitante utilizou negrito para demarcar o título de um quesito em sua proposta será possível identificá-la. Trata-se, apenas, de um recurso que pretende deixar o texto mais organizado, facilitando a leitura.

 

É por esse motivo que a adoção do conceito de “identificação inequívoca” parece ser tão essencial, até porque a desclassificação inadequada e injusta de uma licitante pode acabar por prejudicar inteiramente a concorrência.

 

Se a Comissão de Contratação está mal instruída, por exemplo, e decide por desclassificar alguma licitante diante de uma suposta identificação, opondo-se a receber seus invólucros ou, ainda, optando por não permitir o julgamento da via apócrifa da referida empresa, o certame será diretamente atingido.

 

Isso porque, caso o julgamento das propostas das demais empresas já tenha ocorrido quando a licitante desclassificada procurar o Poder Judiciário e comprovar que não havia nenhum elemento em sua proposta capaz de revelar sua autoria, será impossível voltar ao chamado “status quo ante”.

 

Ou seja, não será mais possível reestabelecer aquela condição em que todas as propostas seriam julgadas sem identificação, eis que apenas uma delas estaria pendente de julgamento.

 

Assim, constatada a irregularidade da desclassificação, além da impossibilidade de retorno ao status anterior, o certame estará maculado de vício insanável, o que gera nulidade.

 

Dessa forma, fica claro que a alegação inadequada de “identificação” não é algo leviano. Ao contrário, pode ser extremamente prejudicial à Administração – que ficará mais tempo sem poder usufruir do serviço que pretende contratar, em virtude de todos os ritos que deverão ser observados novamente – e aos licitantes, que gastam quantias significativas de dinheiro para produzir as propostas que serão entregues.

 

Portanto, é fundamental que esse tema seja tratado com a seriedade adequada, tanto pelo legislador – no sentido de deixar clara a necessidade de identificação inequívoca –, quanto pelos licitantes – para que não suscitem alegações levianas de identificação apenas para retirar da competição os seus concorrentes –, e pelas Comissões de Contratação – que devem estar preparadas para lidar com essas alegações e para tomarem as medidas adequadas, presando pelo bom andamento do certame, em atenção a todos os princípios administrativos que o regem.

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