Adoção de Documentos Digitais e a Relevância da Assinatura Eletrônica
No atual cenário de transformação digital, uma das medidas mais estratégicas para organizações que buscam otimizar seus processos é a substituição de documentos físicos por versões digitais. No entanto, não basta digitalizar etapas como a elaboração e aprovação de documentos se, ao final, ainda houver a necessidade de impressão para coleta de assinatura manual. Essa prática reduz a eficiência e pode expor a empresa a riscos jurídicos evitáveis.
A assinatura eletrônica viabiliza a formalização de documentos de forma remota, através da manifestação de vontade realizada digitalmente, que comprova a concordância do signatário com o conteúdo do documento.
O uso da assinatura eletrônica no Brasil teve início com a edição da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Desde então, passou a ser possível assinar documentos digitalmente com validade jurídica plena, desde que fosse utilizado um certificado digital emitido por essa autoridade certificadora, conferindo autenticidade, integridade e presunção de veracidade aos documentos eletrônicos.
Posteriormente, a Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, ampliou esse cenário ao estabelecer diferentes categorias de assinaturas eletrônicas: simples, avançada e qualificada. Com isso, passou-se a permitir o uso de outros meios eletrônicos de identificação, inclusive fora da ICP-Brasil, desde que atendam a critérios de segurança, controle e aceitação entre as partes. Essa evolução normativa possibilitou maior flexibilidade e modernização nas relações jurídicas, públicas e privadas, fortalecendo a adoção de soluções digitais com respaldo legal.
Longe de ser apenas uma alternativa digital à assinatura física, a assinatura eletrônica constitui a escolha superior para negócios que priorizam eficiência, segurança e conformidade em seus processos documentais. Em um ambiente corporativo acelerado, onde o tempo e a capacidade de rastreamento são cruciais, a manutenção de métodos tradicionais resulta em atrasos operacionais, custos evitáveis e uma maior vulnerabilidade a riscos legais. Diante disso, a assinatura eletrônica passou a se destacar como solução prática, segura e amplamente adotada.
Tipos de Assinaturas Eletrônicas
a) Assinatura eletrônica simples
Essa modalidade se baseia em elementos eletrônicos para verificar a identidade de quem assina. São exemplos o uso de senhas, códigos enviados via celular, reconhecimento facial, biometria, ou mesmo o rastreamento do IP do dispositivo utilizado. As partes podem convencionar previamente os meios de verificação ou utilizar os recursos oferecidos pelas plataformas de assinatura. Apesar do uso generalizado do termo “assinatura eletrônica”, esse tipo é tecnicamente classificado como “simples”.
b) Assinatura eletrônica avançada
Aqui, a assinatura eletrônica avançada oferece um nível mais elevado de segurança, sem depender de certificado emitido pela ICP-Brasil. Para tanto, deve identificar de forma inequívoca o signatário, estar sob seu controle exclusivo e permitir a detecção de qualquer alteração no documento.
c) Assinatura eletrônica qualificada
Por fim, a assinatura eletrônica qualificada é realizada com o uso de certificado digital emitido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Trata-se da modalidade que oferece o mais elevado nível de segurança e autenticidade.
Cumpre observar que a assinatura digital, no sentido técnico-jurídico estrito, é a assinatura eletrônica qualificada feita com uso de certificado digital no padrão ICP-Brasil, a qual utiliza criptografia assimétrica (chave pública e privada) para garantir a autenticidade e a integridade do documento.
Toda assinatura digital é uma assinatura eletrônica qualificada, mas nem toda assinatura eletrônica é digital (no sentido técnico da palavra).
I. Vantagens da Assinatura Eletrônica
A adoção da assinatura eletrônica traz múltiplos benefícios para as organizações. Um dos principais é a segurança e auditabilidade. Diferentemente de um contrato físico, suscetível a alterações não detectadas, um documento assinado eletronicamente é protegido contra modificações; qualquer alteração posterior invalida o arquivo. A tecnologia emprega criptografia robusta, autenticação multifator e certificados digitais, garantindo acesso restrito e rastreabilidade contra fraudes
Outra vantagem crucial é a conformidade legal. A assinatura eletrônica cria uma trilha de auditoria detalhada, registrando informações como identidade do signatário, data, local e IP, o que confere transparência e mitiga riscos legais. Sua validade é respaldada por legislações específicas.
A assinatura eletrônica promove, ainda, maior eficiência e produtividade na gestão contratual, otimiza o ciclo de vida de contratos, reduzindo tempo em burocracias e melhorando a rastreabilidade. Processos como geração, envio, assinatura e arquivamento podem ser automatizados, diminuindo erros, garantindo a ordem correta das assinaturas e assegurando o cumprimento de prazos com lembretes automáticos, além de facilitar auditorias com o armazenamento digital seguro.
Contexto legal brasileiro e desenvolvimentos recentes
A Lei nº 14.063, de 23 de setembro de 2020, estabelece regras sobre o uso de assinaturas eletrônicas nas interações com entidades públicas, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde, além de tratar de licenças de software de entes públicos e alterar outras legislações pertinentes.
Nos últimos anos, a tecnologia tem redefinido a gestão de documentos legais, especialmente no Judiciário, com destaque para o uso de assinaturas digitais. A Recomendação nº 159/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), datada de 23 de outubro de 2024, trouxe novas diretrizes, orientando os tribunais a adotarem medidas mais eficazes contra a litigância predatória e abordando especificamente o uso de assinaturas com certificados digitais e eletrônicas no sistema judicial.
Em contraste com a recomendação do CNJ, que sugere maior rigor na verificação, o Parecer nº 229/2024-J do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), emitido em agosto de 2024, adotou uma postura mais flexível, permitindo o uso de assinaturas eletrônicas avançadas. Este parecer surgiu em resposta a um pedido da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) para revisar o entendimento anterior da Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) que não aceitava a assinatura eletrônica avançada.
Conforme a Lei nº 14.063/2020, a assinatura eletrônica avançada é aquela que utiliza certificados não emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) ou outros meios para comprovar autoria e integridade, desde que aceita pelas partes ou pela pessoa a quem o documento é apresentado.
Para ser válida, deve estar unicamente associada ao signatário, sob seu controle exclusivo, e permitir a detecção de modificações posteriores. A AASP argumentou que, mesmo sem o selo ICP-Brasil, essas assinaturas possuem credibilidade, especialmente se oriundas de sistemas públicos como a plataforma Gov.br, pois compartilham características técnicas com as certificadas.
Ao adicionar o § 4º ao artigo 784 do Código de Processo Civil, a Lei nº 14.620/2023 já havia consolidado a permissão para usar qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei na constituição de títulos executivos extrajudiciais. Com base nisso, o TJSP reviu sua posição, confirmando a possibilidade de comprovar a autoria de documentos por meio de assinaturas eletrônicas não vinculadas à ICP-Brasil, condicionada à aceitação das partes ou do juiz.
Art.784 (...) § 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura. (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023).
Quanto às assinaturas digitais qualificadas (com certificado ICP-Brasil), a exigência em certos documentos jurídicos, como procurações, justifica-se pelo nível superior de fiscalização e auditoria do sistema ICP-Brasil em comparação com certificadoras privadas. A Recomendação nº 159/2024 do CNJ busca equilibrar inovação tecnológica e segurança jurídica, abordando a litigância predatória, que inclui práticas como o uso de procurações eletrônicas sem autenticidade garantida.
Referida Recomendação do CNJ orienta os tribunais a prevenir abusos, apresentando uma lista exemplificativa de condutas processuais potencialmente abusivas:
ANEXO A DA RECOMENDAÇÃO Nº 159 DE 23 DE OUTUBRODE 2024. Lista exemplificativa de condutas processuais potencialmente abusivas (...) 11) apresentação de procurações incompletas, com inserção manual de informações, outorgadas por mandante já falecido(a), ou mediante assinatura eletrônica não qualificada e lançada sem o emprego de certificado digital de padrão ICP-Brasil;
ANEXO B DA RECOMENDAÇÃO Nº 159 DE 23 DE OUTUBRO DE 2024. Lista exemplificativa de medidas judiciais a serem adotadas diante de casos concretos de litigância abusiva (...) 15)realização de exame pericial grafotécnico ou de verificação de regularidade de assinatura eletrônica para avaliação da autenticidade das assinaturas lançadas em documentos juntados aos autos;
ANEXO C DA RECOMENDAÇÃO Nº 159 DE 23 DE OUTUBRO DE 2024. Lista exemplificativa de medidas recomendadas aos tribunais
(...) 2) desenvolvimento e implementação de sistemas de inteligência de dados para monitoramento contínuo da distribuição e da movimentação de ações judiciais, com capacidade de identificar padrões de conduta abusiva, enviando-se alertas aos(às) magistrados(as);
(...) 7) adoção de práticas de cooperação entre tribunais, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria Pública e instituições afins, para compartilhamento de informações e estabelecimento de estratégias conjuntas de tratamento da litigiosidade abusiva e de seus efeitos deletérios sobre o sistema de Justiça e a sociedade;
No caso de uso de assinatura eletrônica, se houver suspeita de fraude, o juiz pode exigir uma assinatura digital qualificada (ICP-Brasil) para maior segurança, permitindo a correção do vício processual conforme os artigos 76, 139, inciso IX, e 352 do Código de Processo Civil. A discussão sobre assinaturas digitais no Judiciário reflete, portanto, a busca por um equilíbrio entre facilitar o acesso à justiça e garantir a segurança jurídica.
Diante do avanço normativo e tecnológico, a assinatura eletrônica consolidou-se como instrumento essencial para a modernização das relações jurídicas no Brasil, promovendo agilidade, segurança e conformidade nas transações documentais. A evolução legislativa, especialmente com a Lei nº 14.063/2020 e os desdobramentos recentes no âmbito do Poder Judiciário, demonstra uma clara tendência de aceitação e regulamentação do meio eletrônico como forma legítima de manifestação de vontade.
A distinção entre os tipos de assinatura entre simples, avançada e qualificada, permite a aplicação proporcional do instrumento conforme o grau de risco jurídico e as exigências do ato praticado. Assim, a adoção consciente e estratégica da assinatura eletrônica, em conformidade com os parâmetros legais vigentes, representa não apenas um avanço operacional, mas um reforço à segurança jurídica e à efetividade dos atos praticados no ambiente digital.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 159, de 23 de outubro de 2024. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original2331012024102367198735c5fef.pdf.Acesso em: 20 de maio de 2025.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Diário Oficial de 02 de agosto de 2024. Disponível em: https://cnbsp.org.br/wp-content/uploads/2024/08/Diario-Oficial-02-08-2024.pdf.Acesso em: 20 de maio de 2025.
BRASIL. Lei n.º 14.063, de 23 de setembro de2020. Dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos e sobre licenciamento de softwares desenvolvidos por órgãos públicos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14063.htm.Acesso em: 25 de maio de 2025.
BRASIL. Lei n.º 14.620, de 13 de julho de2023. Altera a Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para permitir o uso de qualquer modalidade de assinatura eletrônica em títulos executivos extrajudiciais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14620.htm.Acesso em: 25 de maio de 2025.